O peso do que nunca está bom
Sobre convivências difíceis, expectativas altas demais e o cansaço de tentar acertar o tempo todo.
Parece um pouco exagerado quando eu começo a falar sobre como é ruim conviver com alguém que é extremamente perfeccionista. Minha mãe é a pessoa que eu mais amo no mundo todo, mas acho que a forma como ela age em relação a tudo ao seu redor é um problema. Você pode achar que é um comportamento típico de Virgem, porque, sim, minha mãe é do signo de Virgem — e eu acredito firmemente nisso. Mas hoje, enquanto tentava fazer alguma coisa que a agradasse, senti que precisava escrever sobre o assunto, sobre esse tópico.
Antes de mais nada, vou contextualizar tudo.
Minha mãe é uma confeiteira que iniciou seus trabalhos porque queria fazer bolos de aniversário para os filhos e criar memórias. Mas daí, o que era pra ser algo só dela se tornou sua principal fonte de renda. Confesso que tenho muito orgulho da minha mãe. Sabe, um dia ela não tinha expectativa de nada, mas acabou se encontrando na confeitaria, e agora tem uma clientela fixa. Sempre vende os melhores bolos do mundo.
Mas nem tudo são flores o tempo todo. Quando minha mãe começou, era uma dor de cabeça total, porque ela não se achava boa o suficiente. Mas, claro que não seria boa logo de cara — ela estava começando em uma área onde já havia muitas pessoas atuando há anos. E com isso surgiram as frustrações, as diversas vezes que ela teve vontade de desistir de tudo o que estava construindo.
Eu comecei a “trabalhar” junto com ela, de certa forma, fazendo os topos de bolo, imprimindo e recortando as decorações. Mas, com isso, comecei a perceber que eu e a minha mãe a gente briga pela mesma coisa: topo de bolo. Parece até brincadeira, né? Mas é a mais pura verdade. Eu faço uma coisa, minha mãe não gosta. E eu acho que vai ficar bom, mas nunca está bom pra ela.
Às vezes penso que a minha mãe faz isso comigo de propósito. Quando ela ia na gráfica mandar fazer os topos, ela não reclamava. Do jeito que vinha, estava bom pra ela. Mas quando sou eu que faço, tem sempre alguma coisa que pode melhorar. Nunca está bom.
A minha mãe é a pessoa mais perfeccionista do mundo que eu conheço, e sinto que isso um dia vai me matar. O perfeccionismo é uma coisa extremamente chata. Se você é uma pessoa perfeccionista, sinto em te informar: você é chato. O perfeito é uma utopia.
Ele não existe. Nada nunca vai ficar 100% bom. Sempre vão existir coisas que precisam melhorar na gente — e tá tudo bem. Isso faz parte do ser humano. Quando você cobra a perfeição de todo mundo que te cerca, isso afasta as pessoas emocionalmente. Faz com que elas se sintam incapazes, porque estão em busca de algo que nunca vão achar.
Eu, uma pessoa que não liga pra perfeição, te digo com todo o meu coração: conviver com a minha mãe, às vezes, pode ser chato. Por causa do perfeccionismo dela. Confesso que muitas vezes já pensei em parar de ajudar minha mãe, porque me sinto frustrada. Ela nunca tem certeza, e nunca nada vai estar bom pra ela.
Tive a ideia de escrever isso aqui após fazer um topo de bolo do Harry Potter. Eu fiz de uma forma que, pra mim, iria agradar a ela. Mas, no final, só serviu para gerar um atrito desnecessário entre mim e ela. Eu me sinto mal, porque realmente achei que ia ficar legal e que ela iria gostar. E agora eu me sinto triste, porque sei que nunca nada que eu fizer pra minha mãe vai estar bom de verdade.
É extremamente frustrante agradar uma pessoa perfeccionista, porque, na grande maioria das vezes, elas nunca sabem de fato o que querem. O tempo todo são palavras do tipo: “Eu não sei...”, “Mas não tenho certeza se gostei...”, “Não é assim...”.
Tudo isso é muito chato. A gente só queria que fossem mais claros, que explicassem melhor o que querem. E parece que, com esse rodeio de “nunca estar bom, precisa melhorar, ah, mas pode melhorar...”, tudo se torna mais difícil.
Além do perfeccionismo, podemos adicionar outra coisa: a falta de comunicação direta. Explicar como deseja certa coisa, prestar atenção no que o outro fala. Essa falta de comunicação da minha mãe entre nós duas, muitas vezes, leva ao conflito. Porque ela nunca presta atenção nas coisas direito, e isso se torna chato. Cansativo de lidar.
Recentemente, eu li um post da
, do Sussurros do Coração, que se encaixa muito bem aqui nesse contexto.“Só que quanto mais eu melhorava, mais eu sentia que era um lixo.
Eu não era a melhor desenhista da sala — estava longe de ser. E, quando observava aqueles que eram melhores que eu, percebia uma característica em comum: naturalidade.
Eles desenhavam simplesmente porque gostavam. Seus traços suaves indicavam uma espontaneidade que me faltava.
A comparação, aos poucos, foi me corroendo. E foi assim que fiquei sem desenhar por quase dois anos.
Não era divertido. Não era mágico.”
E por mais que você diga pra minha mãe que tudo está bom, que está perfeito, ela não acredita. Sempre tem algo que precisa melhorar. Aquilo que era pra ser legal e prazeroso se tornou chato. Extremamente estressante.
No texto da Bia, ela destaca algo que achei muito interessante: seja ruim — no sentido de parar de querer sempre ser o melhor em tudo, de parar de buscar algo que não existe. Isso faz total sentido. A gente não precisa ser bom em tudo, nem melhor do que os outros. É claro que devemos buscar melhorar sempre, mas que isso não se torne uma doença que nos impeça de viver, que nos faça perder relações e laços afetivos por causa de algo que a gente nunca vai conseguir alcançar.
Em outro trecho do texto da Bia, ela menciona algo que, na mesma hora que li, me lembrou da minha querida mãe:
“Isso se estendeu a outros hobbies que tentei — a escrita sendo um deles.
Durante a pandemia, comecei a escrever, mas nunca tive coragem de postar meus textos.
Pilhas de rascunhos se acumulavam, documentos não terminados aos poucos sendo esquecidos.
Nunca parecia bom o suficiente, profundo o suficiente, inteligente o suficiente…
Por que alguém leria o que uma garota de 13 anos tem a dizer?
Novamente, enterrei essa minha paixão em um lugar escuro do meu coração.
Nunca mais vou escrever.”
Me recordo do aniversário de 18 anos da minha prima, quando a minha mãe deu o bolo como presente. Foi um caos. Ela se irritou, falou que o bolo estava péssimo e que nunca mais iria fazer bolo na vida dela. E eu, como uma boa filha que sou, disse:
— “Então desiste.”
Pra mim, sempre foi extremamente frustrante essa busca por perfeição da minha mãe. Porque éramos sempre nós que tínhamos que lidar com o estresse dela, todas as vezes que ela queria desistir porque uma única coisa não saiu da forma como ela esperava.
E pra finalizar, como a Bia disse:
SEJAM RUINS.
📎 Link para o texto da Bia — Seja Ruim
Obrigada por ler o Não Tem Nome.
Ainda estou pensando numa agenda de posts pra cá. Eu queria que fossem todos os sábados, mas acho tão demorado. E não sei se o The Vale Letters vai voltar, mas estou trabalhando pra resolver essas coisas.
Muito obrigada por tudo — e até o próximo.
Uma das melhores coisas que reparei que melhorou a minha relação com a minha mãe foi me afastar da possibilidade dela dizer se estava bom ou ruim.
Estendendo o recado "Seja ruim e acabará sendo feliz", porque somos naturalmente bons naqueles espaços que existe liberdade para errar, não gostar, refazer e melhorar!! Não é como se todos se curvassem à perfeição de entrega de quem nos exige tanto. Sinto muito por isso que ressoa tanto em ti e às vezes consome, porque mesmo amando os nossos pais, tá tudo bem admitir seus defeitos e seus picos; são as pessoas com mais peso em nossa vida e acima de tudo, são humanos! Claro que seus defeitos vão acabar saindo mais pesado de vez em quando...